04/01/2024
Mais casas e mais baratas em 2024? O que dizem as promotoras imobiliárias
A instabilidade política é a grande inimiga do setor, que enfrenta outros riscos como os juros e a economia. Mas há oportunidades.
“Do ponto de vista da promoção imobiliária, continua a haver uma patente necessidade de habitação”. Quem o diz é Bruno Ferreira da Silva, Investment Director da Bondstone. “Em 2024 é expectável que a promoção imobiliária permaneça ‘morna’ devido à forte instabilidade política que se vive”, antecipa Daniel Tareco, administrador da Habitat Invest. O idealista/news foi sentir o pulso ao mercado, ouvindo os responsáveis de algumas das promotoras imobiliárias que operam em Portugal. Que balanço fazem da atividade em 2023 e o que esperar de 2024? Vão chegar mais casas ao mercado, de forma a dar resposta à procura e à crise na habitação? E a que preços? Vai haver um novo Governo, são boas ou más notícias? Eis as respostas – a estas e outras perguntas – por parte de quem anda no terreno a desenvolver projetos residenciais.
O que esperar do imobiliário residencial em 2024? Ideias a reter:
- 2023, um ano que não deixa saudades para o setor. Como será 2024?
- Desafios há muitos, mas é fundamental aumentar a oferta de casas no mercado.
- O que esperar do novo Governo para o setor imobiiário?
- Há luz ao fundo do túnel? Que oportunidades estão à espreita?
1- Adeus 2023, um ano “muito atípico” e “complexo”
2- Desafios: muitos e a vários níveis
3- Preços das casas vão subir em 2024?
4- Licenciamentos mais rápidos: esperar para ver
5- Ano novo, Governo novo: e agora?
6- Principais partidos continuam “a não estar alinhados”
7- Quais os grandes riscos do negócio e onde há oportunidades?
Adeus 2023, um ano “muito atípico” e “complexo”
“2023 foi um ano muito atípico no panorama do mercado imobiliário em Portugal. A rápida mudança no contexto económico mundial levou a mudanças estruturais na maneira como se pensa e faz investimento imobiliário. A incerteza sobre o real custo de capital e o contexto inflacionário conduziram a um clima de incerteza que levou a que os investidores fossem muitíssimo mais cautelosos nas suas alocações de capital, resultando numa substancial discrepância entre quem vende e quem compra”, diz Bruno Ferreira da Silva.
Segundo o responsável, “do ponto de vista da promoção imobiliária, continua a haver uma patente necessidade de habitação”, sendo de esperar “que o mercado residencial continue a ser francamente dominado por casas usadas e que a habitação nova continue a ser apenas para alguns e cada vez em menor quantidade”.
Daniel Tareco, por seu turno, sublinha que “o ano de 2023 foi particularmente desafiante para o setor imobiliário”, muito pressionado pela subida das taxas de juro e pelo arrefecimento das economias. Também a “instabilidade legislativa provocada pela aprovação do programa Mais Habitação, as alterações ao regime do Golden Visa e ao Regime dos Residentes Não Habituais (RNH) e o ataque ao Alojamento Local (AL)” provocaram “um forte arrefecimento do investimento”, adianta o administrador da Habitat Invest.
“Em 2024 é expectável que a promoção imobiliária permaneça ‘morna’ devido à forte instabilidade política que se vive. Pode ser que ao longo do ano o mercado retome, caso o enquadramento político após as eleições assim o permita, e com o previsível início da redução das taxas de juro”, acrescenta.
Desafios: muitos e a vários níveis
Do lado da JPS Group, o CEO João Sousa refere-se a 2023 como um “dos anos mais desafiantes” para a promotora imobiliária: “Em 2024, é expectável que o mercado se mantenha estável, com os preços de venda em alta, no entanto, sentiu-se um abrandamento na procura de projetos para desenvolvimento por parte de promotores estrangeiros, muito devido à instabilidade das alterações das políticas na habitação, o que fez com que muitos investidores procurassem outros mercados mais atrativos”.
Já Pedro Vicente, CEO da Overseas, diz não ter dúvidas de que 2023 “ficará marcado pelo ataque das políticas públicas ao mercado imobiliário”, em particular ao segmento residencial.
“A insegurança legislativa e as iniciativas legislativas tendentes a limitar o investimento estrangeiro – Golden Visa, AL e RNH – empobreceram o mercado e estão a determinar a perda de atratividade de Portugal como destinatário de investimento. 2024 será um ano, apesar de tudo, de transição, com a expectativa da descida das taxas de juro que, a ocorrer, poderá contribuir para uma certa estabilidade do mercado. O investimento imobiliário deverá cair”, antecipa o especialista.
Gonçalo Cadete, Managing Partner da Solyd Property Developers (Solyd), prevê que em 2024 “vão persistir os desafios geopolíticos e macroeconómicos (como as taxas de juro ou a inflação), que tiveram um impacto negativo em 2023”, continuando “a haver um défice estrutural de grande magnitude de habitação em Portugal”.
“No nosso segmento, construção nova essencialmente para clientes nacionais, dirigida aos segmentos médio e médio-alto, continuamos a assistir a uma oferta reduzida, face a uma procura robusta por parte das famílias portuguesas. Em 2024, mantemos a estratégia de oferecer produtos residenciais de excelência e que se adaptem à realidade económica e financeira das famílias portuguesas, com especial foco na oferta crescente dirigida ao segmento médio”, explica.
Também José Cardoso Botelho, CEO da Vanguard Properties, promotora imobiliária mais direcionada para o segmento residencial de luxo, fala num “ano de 2023 complexo”. O especialista considera que do ponto de vista comercial a procura nacional e internacional manteve-se forte, mas que do ponto de vista legislativo e político verificou-se uma “enorme instabilidade e incerteza, o que teve e terá consequências nefastas a curto, médio e talvez longo prazo”.
“O pacote Mais Habitação lançou enorme confusão, dúvidas, descrédito e, claro, já mostrou ser nocivo – nunca houve tão pouca oferta de habitação para arrendamento e nunca os preços dos novos contratos subiram tanto. Para os operadores profissionais e investidores, decisões sem fundamento técnico ou científico geram descrédito, sendo por isso mais do que provável que a falta de oferta se mantenha ou mesmo agrave. Há, claramente, falta de capacidade de produção que se vai agravar se grandes obras públicas avançarem”, conclui.
Preços das casas vão subir em 2024?
Não havendo “alterações de fundo ao nível de legislação técnica, fiscal e procedimentos administrativos, as casas continuarão a ficar mais caras e continuarão a faltar casas para os portugueses”, indica Bruno Ferreira da Silva, da Bondstone.
“Os preços das casas deverão permanecer relativamente estáveis ao longo de 2024 devido à enorme falta de oferta de habitação no mercado e aos constrangimentos à produção de nova habitação. As rendas, contudo, deverão manter a trajetória de crescimento inevitáveis após os novos constrangimentos aplicados a este mercado”, responde, por seu turno, Daniel Tareco, da Habitat Invest.
Respondendo à mesma pergunta, João Sousa, da JPS Group, considera que se continua a assistir a um aumento de preços, visto que a procura supera em muito a oferta. “Acreditamos, e a nossa experiência assim o diz, que as opções vão ter de passar por um afastamento dos grandes centros, que vai aumentar a procura nas zonas menos centrais, onde os preços são mais baixos, aliados a uma qualidade de vida superior”, comenta, salientando que os preços da construção têm vindo a subir – de 2021 para 2022 cresceram 23% - e que em durante este ano poderá haver uma estabilização.
Do lado da Overseas, Pedro Vicente estima que os preços das casas e das rendas “continuem a aumentar, dada a escassez da produção/disponibilidade no segmento dos novos, embora com uma velocidade de crescimento bastante mais reduzida, tendente à estabilização”. Sobre o aumento dos custos de construção, diz que “parece ter abrandado significativamente, embora deva continuar a sair extremamente caro produzir imóveis novos ou reabilitar”.
Licenciamentos mais rápidos: esperar para ver
Quando questionados sobre se, em 2024, será mais rápido desenvolver um projeto residencial, tendo em conta as novidades a nível de licenciamento, os especialistas ouvidos pelo idealista/news preferem esperar para ver.
“Veremos se o Simplex avança. O desafio residirá na execução, nomeadamente na forma como este programa será aplicado pelas autarquias, bem como se a segurança jurídica, do ponto de vista dos investidores e dos financiadores, será compreendida e garantida”, frisa José Cardoso Botelho, da Vanguard Properties.
“Todas as medidas que possam contribuir para uma redução dos prazos de licenciamento serão claramente positivas e permitirão atrair um maior número de investidores e, com isso, aumentar a oferta disponível no mercado. No entanto, as novidades a este nível ainda carecem de regulamentação e corremos o risco de ficar ‘a meio da ponte’”, acrescenta Gonçalo Cadete, da Solyd.
Para Bruno Ferreira da Silva, Investment Director da Bondstone, “o Simplex é um passo na direção certa”, mas prudência é palavra de ordem, porque esta “está ainda longe de ser a solução do problema”. “Será necessário conhecer processos, regulamentos e instrumentos, e, sobretudo, é necessário haver maior flexibilidade de adaptação para não estarmos a construir as cidades do futuro ‘presos’ a regulamentos com mais de 70 anos”.
Daniel Tareco, administrador da Habitat Invest, aponta o Simplex do licenciamento urbanístico como “fundamental para que ocorra um incremento do número de casas contruídas” e avisa que esta é “a única medida desenvolvida no contexto do programa Mais Habitação que efetivamente pode ter um profundo impacto no mercado”. Uma opinião, de resto, partilhada por Pedro Vicente, CEO da Overseas: “Temos grandes expectativas com essas iniciativas legislativas, as únicas que devolvem, nesse campo, alguma esperança ao setor. O resultado das eleições legislativas será determinante para esse efeito, embora nos pareça uma visão transversal”.
João Sousa, CEO da JPS Group, mostra-se mais reticente, salientando que conhece casos em que projetos demoraram 10 anos a sair do papel, desde o desenvolvimento até ao início de construção. “Quanto às novidades a nível do licenciamento, estamos expectantes quanto à colocação em prática das mesmas, mas seria muito bom que se sentissem diferenças significativas, pois a atividade da promoção imobiliária pode vir ainda a diminuir mais, caso as coisas não mudem urgentemente”, justifica.
Ano novo, Governo novo: e agora?
Portugal vai a votos dia 10 de março. As eleições legislativas antecipadas acontecem depois de António Costa se ter demitido do cargo de primeiro-ministro, depois de saber que estava envolvido numa investigação judicial, gerando uma crise política no país e ainda maior instabilidade, uma palavra que os vários players do setor imobiliário abominam. Será esta, no entanto, uma boa ou má notícia? Têm a palavra os promotores imobiliários.
“Um novo Governo será uma oportunidade para fazer mais e melhor. O ainda Governo do partido socialista tentou resolver o problema da habitação com um conjunto de medidas que apenas virão satisfazer as preferências políticas de uma franja da população e gerar um conjunto de outros problemas ao país, uma vez que o avanço e recuo nas medidas do programa Mais Habitação, o fim dos vistos gold e a revogação dos RNH em nada vieram ajudar o mercado da habitação uma vez que o preço da habitação continua a subir mesmo em localizações na periferia das principais cidades”, analisa Bruno Ferreira da Silva, Investment Director da Bondstone.
“A indefinição política é o pior dos cenários. O atual estado tem levado a que inúmeros investidores estrangeiros, ou mesmo nacionais, se mantenham arredados do mercado e adiem eventuais investimentos”, complementa Daniel Tareco.
De acordo com o administrador da Habitat Invest, “o mais importante para o setor é que o novo Governo tome decisões informadas e sustentadas sobre as matérias em que atue”. “É fundamental alterar o estigma que se vive na sociedade, que considera que a promoção imobiliária é ‘imoral’ e que os seus agentes não são gente de ‘bem’. Apenas com o contributo de todos os agentes podemos alterar o ‘status quo’ que se vive e progredir com a oferta de mais habitação a melhor preço para todos”, alerta.
João Sousa é da opinião que “a instabilidade política raramente favorece o mercado, seja qual for o setor”. Refere que tem havido “uma grande ausência de políticas favoráveis necessárias ao setor imobiliário”, pelo que considera “que a esperança na mudança para melhor se tem revelado positiva e aumentado a confiança no investimento no imobiliário”.
Uma das formas de aumentar a oferta de habitação para portugueses passaria por “baixar o IVA no setor da construção nova para 6%, à semelhança do que já é praticado no mercado de reabilitação”. “É impossível suportar o custo do IVA a 23% em valores tão elevados”, lamenta.
Principais partidos continuam “a não estar alinhados”
Pedro Vicente, ainda mais crítico, faz questão de afirmar que “o Governo que cessará funções foi desastroso para o setor e, em particular, para o segmento habitacional”. “Fez uma gestão puramente política do tema, com as consequências que conhecemos. Tentou reagir, tarde e mal, com o programa Mais Habitação. O segmento habitacional só terá uma revolução, de que tanto precisa, com houver um quadro de políticas públicas e legislativo que abra caminho para o Built to Rent (BtR) e para construção de novas habitações. Isto faz-se, em particular, com medidas fiscais, que tanto sucesso tiveram na área da reabilitação urbana”, indica o CEO da Overseas.
Gonçalo Cadete, Managing Partner da Solyd, lamenta o facto de os principais partidos políticos continuarem “a não estar alinhados relativamente a uma política de habitação consistente e com regras estáveis ao longo do tempo”. “Esta é uma condição necessária para aumentar o volume de produção de habitação a valores que permitam o acesso da generalidade dos portugueses, produzidas por privados ou em parcerias público-privadas”, frisa.
De acordo com José Cardoso Botelho, “a instabilidade e a incerteza raramente são positivas para o investimento, em qualquer setor”. O CEO da Vanguard Properties diz esperar que “das eleições de março seja possível nomear um Governo com maioria parlamentar e que este tenha uma visão reformista de mercado e que tome decisões baseadas na experiência, conhecimento técnico/cientifico e nos factos”. “No fundo, um Governo que perceba que para crescermos é preciso reformar o Estado e muitas das suas instituições, desagravar a fiscalidade e promover as empresas. Só com mais e melhores empresas será possível gerar e redistribuir a riqueza”, sustenta.
Quais os grandes riscos do negócio e onde há oportunidades?
Quais serão, tendo em conta o atual contexto económico, marcado por altas taxas de juro – parecem estar a estabilizar e são esperadas descidas este ano por parte do Banco Central Europeu (BCE) –, por exemplo, os grandes riscos que enfrentam as promotoras imobiliárias? E há oportunidades à espreita? Onde? Quais?
“O Estado tem procurado atacar a procura, o que é um erro. Os riscos são: aumento da fiscalidade para financiar um Estado insaciável e que está a crescer como nunca; incapacidade de reduzir, no concreto, a burocracia; dificuldade de crédito e redução do investimento. As oportunidades, no atual contexto, residem nalgumas áreas nos segmentos mais elevados, cada vez mais escassas, até porque o preço dos terrenos é muitas vezes inacessível”, assegura José Cardoso Botelho.
“A persistência das taxas de juro e inflação elevadas pode ter influência na confiança e capacidade das famílias em aceder a habitação”, complementa Gonçalo Cadete.
Para Pedro Vicente, “o maior risco do mercado prende-se com a queda da procura, já evidenciada, e pela ameaça de perda de atratividade do mercado português”. Já as oportunidades estão no mercado de 'branded real estate', garante.
Bruno Ferreira da Silva é da opinião que existe, no contexto atual, “uma enorme dificuldade de captação de capital”, mas lembra que “para investidores com uma visão europeia do mercado, Portugal é visto como um oásis de oportunidades, mas com um risco acrescido e falta de transparência de processos”.
O Investment Director da Bondstone considera, no entanto, que continua a haver em Portugal “uma clara oportunidade no segmento de habitação, em especial no segmento residencial para arrendamento (Build-to-rent), onde existem investidores institucionais com liquidez disponível para investir (desde que os retornos esperados sejam atingidos) e onde se conseguiria dar uma resposta mais célere e em maior escala à crise habitacional que se vive em Portugal”.
João Sousa fala num “mercado imobiliário bastante estável” e sem “grandes riscos”, apesar destes estarem “sempre associados a fatores imprevistos”, como exemplo a pandemia. E mesmo durante esse período, recorda, o mercado imobiliário demonstrou ter sido dos investimentos menos afetados. “Até pelo contrário, pois até se deu uma valorização grande dos imóveis, e se começou a dar mais importância ao espaço que habitamos e aumentou a procura de casas com espaços exteriores, jardins e fora dos grandes centros. A oportunidade identificada, a nosso ver, é essa”, remata.
Para Daniel Tareco, um dos maiores riscos que o setor enfrenta está relacionado com o custo de produção das novas habitações. Isto porque tem, depois, impacto direto nos preços das casas. “Estes custos só têm tendência para se agravar, tendo em conta as importantes metas que temos de alcançar enquanto país em termos de redução de carbono. A importância desta temática tem estado completamente alheada das orientações políticas, que têm decidido não alocar os recursos necessários para esta transição, ao contrário do que se verifica noutros setores, como por exemplo o automóvel, onde temos enormes bonificações ao nível do IVA entre outras”.
No que diz respeito às oportunidades existentes no segmento residencial em Portugal, o administrador da Habitat Invest centra atenções, também, na necessidade de fazer chegar mais casas ao mercado para dar resposta à crise habitacional, quer seja através da oferta de habitações a preços acessíveis quer seja de casas para arrendar, nomeadamente no segmento BtR.
“Adicionalmente, tendo em conta o sucesso e resiliência que o país tem apresentado ao nível do turismo e a opção de desmantelamento do setor do AL, coloca o setor do turismo, quer seja hoteleiro ou outro, como uma oportunidade a ter em conta”, conclui.
Fonte: Idealista